subject: Muita Saúva, Pouca Saúde: Macunaíma, Um Retrato Do Brasil [print this page] Author: Ralph Schibelbein Author: Ralph Schibelbein
Muita Sava, Pouca Sade: Macunama, um retrato do Brasil Ralph Schibelbein Este breve trabalho tem por objetivo relacionar um filme (Macunama heri sem nenhum carter) com as discusses realizadas por historiadores, antroplogos, socilogos e demais intelectuais, a respeito de conceitos como cultura e identidade, e ainda pensar o cinema como um material importante para este tipo de anlise. O filme, principalmente a partir da nova histria, vem sendo considerada como fonte histrica e cada vez mais tem sido um importante material de anlise, alm de ser um interessante recurso didtico. No meu objetivo pensar mais especificamente o cinema e sua relao com a histria ou ainda os cuidados que se deve ter na hora de utilizar este como recurso didtico. Isto deixarei para uma prxima oportunidade. Por hora, vamos analisar o filme Macunama, sua relao com os conceitos de cultura e identidade, e pens-lo como um (dos) retrato (s) do pas, na poca. Partindo desta proposta, busquei analisar de que forma conceitos como o de identidade, cultura, meios de comunicao de massas, dolos, aparecem, relacionam-se e so representados no filme. O filme escolhido por mim foi Macunama, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, lanado em 1969. O filme uma adaptao do livro homnimo de Mrio de Andrade, escrito em 1928. Este aspecto da recuperao de uma obra modernista, no final da dcada de 1960, representa uma relao intima no que se refere preocupao de pensar o Brasil em ambos os perodos histricos. Nos dois momentos histricos a arte foi marcada pela busca de uma identidade brasileira, a preocupao com o carter nacional e a definio do que ser brasileiro, em contraposio ao produto estrangeiro, as tentativas de descolonizar a produo cultural do pas. importante lembrar que as duas obras encontram-se ligadas a movimentos com intenes de interpretar o Brasil que vivamos. Modernismo e depois o Cinema Novo. No irei me deter na explicao dos movimentos, pois acredito no ser este o objetivo deste breve trabalho. Porm gostaria antes de falar propriamente sobre o filme, de pensar brevemente a relao de dois conceitos importantes para esta anlise. Cultura e identidade. Tema bastante em voga e conceitos muito utilizados nos ltimos anos nas diferentes reas e por diferentes autores como David Harvey, Stuart Hall, Renato Ortiz, Roger Chartier, Pierre Bourdier, entre muitos outros. Porm, apesar da crescente utilizao dos termos, Denys Cuche (A Noo de Cultura nas Cincias Sociais) nos chama ateno para o fato de no podermos, pura e simplesmente confundir a noo de cultura com a de identidade, apesar de ambas terem uma grande ligao. Macunama (filme) a histria de um anti-heri ou um heri sem nenhum carter, que nasce sem dificuldade alguma de uma me branca, velha e masculinizada. Ele nasce negro e j formado, no como uma criana. (interpretado por Grande Otelo). Macunama passa a infncia na selva com sua me, irmos e cunhada, e de to preguioso s comea a falar aos 6 anos. Aps a morte de sua me, Macunama e os irmos deixam a mata e vo para a cidade grande. No trajeto, Macunama encontra uma fonte e ao banhar-se nela torna-se branco. (Neste momento Paulo Jos passa a interpretar Macunama) Na cidade, ele e seus irmos envolvem-se com guerrilheiras, prostitutas, viles milionrios, meninos de rua, policiais, casas de umbanda, protestos, e etc. Em meio a essa aventura urbana, Macunama se apaixona por uma guerrilheira (Ci) e enfrenta o vilo (Venceslau Pietro Pietra), para reconquistas o amuleto que herdara de Ci, o muirakit. Aps conseguir recuperar o amuleto, nosso heri volta para a floresta, sua casa de origem, acompanhado dos seus irmos. Porm Macunama continua preguioso e no ajuda para o bem coletivo, sendo assim acaba abandonado a prpria sorte deitado em sua rede. S levanta da rede quando sente vontade de brincar, ento se dirigi ao rio onde encontra uma moa nua, que o narrador informa ser a Uiara (comedora de gente). O filme termina quando Macunama entra no rio atrs da mulher e segundos depois aparece apenas sua jaqueta boiando, rodeada de sangue. Como havia dito mais acima, importante para a compreenso, situarmos o filme em seu contexto histrico. Vivamos um perodo marcado pela represso do regime militar que se caracterizou pela censura e desenvolvimento econmico (modernizao) que trouxe ao pas. Macunama nasce neste cenrio e mais especificamente, dentro da proposta do Cinema Novo. Esse movimento tinha como grande princpio a mxima uma cmera na mo e uma idia na cabea, essa nova gerao de cineastas props deixar os obstculos causados pela falta de recursos tcnicos e financeiros em segundo plano. A partir de ento, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questes ligadas realidade nacional e o uso de uma linguagem inspirada em traos da nossa prpria cultura. No filme podemos pensar o Macunama como um retrato/filho do Brasil. Nasce j feito, sem a infncia, de uma maneira grosseira e sem pai. A figura do pai que representaria um cuidado, uma autoridade, talvez um Estado que estivesse ao lado do brasileiro. Nosso heri sem nenhum carter tambm muito preguioso e fica a maior parte de sua infncia sem falar. Podemos pensar isso como uma caracterstica que se creditava/credita ao povo do Brasil (preguia) e a censura, falta de democracia, participao popular. (falta da fala/participao. Um povo calado)). Macunama tambm s deixava de descansar para tomar banho de rio ou brincar, tambm aspectos que marcaram muito o que ser brasileiro ao longo dos anos. Na sua fase adulta, aps a morte de sua me, ele resolve ir para a cidade, como se a cidade representasse o desenvolvimento, a maturidade e ainda para reforar essa evoluo, no caminho para a cidade ele torna-se branco. Ao longo de sua aventura urbana, podemos notar representado na cidade, o mosaico do nosso pas, especialmente no perodo em questo. Aspectos da cultura popular brasileira ao lado de elementos estrangeiros, o moderno com o arcaico so dilogos recorrentes nesta etapa do filme. Guerrilheiras, prostitutas, meninos de ruas, madames, milionrios, morros, favelas, casas luxuosas, pomba-gira, militares, golpistas malandros, trabalhadores, representam os diferentes tipos sociais e culturais, bem como poltico e econmicos do nosso pas. As trilhas sonoras bem como as cores utilizadas merecem um destaque especial e se encarregam de aprofundar os sentimentos e idias expressas pelas imagens. Importante ressaltar que Macunama foi, em parte pelos aspectos citados acima, um dos filmes mais populares do cinema novo. Alcanou sucesso de pblico e de critica sem perder o ideal do Cinema Novo. Podemos notar claramente no filme elementos presentes na obra literria de Andrade, como menes a antropofagia, personagens do folclore nacional, e ao mesmo tempo elementos prprios da poca da realizao do filme, como guitarras, menes ao tropicalismo, guerrilha armada e ao desenvolvimentismo. Porm a idia principal, de atravs de elementos da cultura brasileira, pensar e retratar uma identidade brasileira se mantm. importante lembrar, como havia dito antes, que neste momento se buscava criar uma identidade para nosso pas e diferentes grupos e movimentos engajavam-se nessa construo. Os tropicalistas, assim como participantes do Cinema Novo buscavam inspirao no movimento Modernista dos anos 1920, relao essa presente entre a obra de Mrio de Andrade (Macunama) e o filme de Joaquim Pedro de Andrade. Segundo Jos Carlos Reis (Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. FGV, 2001), nas interpretaes sucessivas percebem-se as concepes diferenciadas do tempo histrico brasileiro que em cada momento da histria do Brasil, puderam ser formuladas. E essas representaes histricas retornam a realidade social, reproduzindo ou alterando-a. Cada interpretao do Brasil revela o que podia ser visto do passado e vislumbrado do futuro naquela posio temporal especifica. Sendo assim, o filme Macunama bastante rico para refletir sobre o contexto do Brasil no perodo apresentado, como tambm a forma que se pensava a cultura e a identidade nacional. Jos Teixeira Coelho Netto (Dicionrio Critico de Poltica Cultural ), contribuiu, afirmando que documento artstico-cultural um documento histrico como outro qualquer, na medida em que um produto de uma mediao da experincia histrica subjetiva com estruturas objetivas da esfera socioeconmica. Os processos de mediao cultural, de natureza diversificada, envolvem as diversas aes de aproximao entre indivduos e grupos sociais e as obras de cultua, via produo cultural, meios de comunicao, criticas de arte, aes institucionais. Por fim, alm de Macunama ser uma bela e interessantssima adaptao cinematogrfica, nos ajuda a pensar as questes de nossa histria, cultura e identidade. Afinal de contas, no h como no refletir durante minutos (dias) sobre a ultima cena do filme, ao som de Heitor Villa Lobos. Excelente oportunidade para analisarmos os elementos citados acima e trabalhados na disciplina. E ainda sugere a questo, para voc, o que ser brasileiro? Bibliografia: CUCHE, Denys A Noo de Cultura nas Cincias Sociais. EDUSC. NETTO, Jos Teixeira Coelho - Dicionrio Crtico de Poltica Cultural. So Paulo: Iluminuras, 1997. ORTIZ, Renato Cultura Brasileira e Identidade Nacional So Paulo: brasiliense, 2006. REIS, Jos Carlos Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. FGV, 2001. Filme: Macunama. Gnero: comdia. Pas de origem: Brasil Ano de lanamento: 1969 Direo: Joaquim Pedro Andrade. About the Author: