subject: O "Jeitinho" (ruim) Brasileiro: Um texto para refletir [print this page]
Voc certamente j falou ou ouviu falar do nosso internacionalmente conhecido "Jeitinho" Brasileiro. Certo? Voc j refletiu sobre a influncia que ele tem sobre as suas decises ou sobre as aes que voc toma no seu cotidiano? Voc j se sentiu prejudicado ou beneficiado por uma situao em que o outro lado deu um "jeitinho" e a situao ficou bem diferente do que seria o normal? Ento est na hora de voc entender melhor porque somos assim e o que podemos (e devemos fazer) para que esta situao mude e passemos a ser vistos por ns mesmos e pelo resto do mundo como pessoas srias, honestas e que seguem regras, ordens ou leis (neste artigo no vou abordar o jeitinho como forma de improviso bem sucedido e legal na soluo de problemas).
O "Jeitinho" Brasileiro traduz-se pela ao tomada (conduta) diferentemente daquilo que a lei (ordem ou regra) versa sem que a diferena implique em punio para o infrator. um processo tpico onde algum dribla a lei para atingir um objetivo uma vez que seguindo estas determinaes no alcanaria seus objetivos. O problema se agrava pela repetio destes atos nos levando a desobedincia a horrios, regulamentos, desrespeito aos direitos de classes (idosos, crianas, consumidor, etc) bem como a uma aceitao do errado pelo certo assegurado pela certeza da impunidade e provocando uma alterao do controle social e da competio. Para entendermos melhor este assunto vamos imaginar a seguinte situao em que voc passa num exame ou concurso e tem uma data para entregar alguns documentos exigidos para a matrcula e cuja exigncia destes documentos j era de seu conhecimento no ato da inscrio (l no incio do processo). A esta altura voc j entende que negligenciou a necessidade do documento e deixou de iniciar o processo para adquiri-lo, certo? Ento chegada a hora da matrcula o documento solicitado e voc no possui. Da forma como as situaes se resolvem atualmente voc tem 100% de certeza que ter um novo prazo para entregar o documento, certo? A sua resposta deveria ser ERRADO. Se voc respondeu CERTO, s h uma razo: VOC j est contaminado pelo "Jeitinho" Brasileiro. No se preocupe ainda h tempo para voc se corrigir. Nesta histria anterior, diante de uma necessidade j conhecida, o correto seria voc providenciar o referido documento desde o instante em que fez a inscrio, mas a certeza da impunidade te leva a um relaxamento natural que validado quando o funcionrio te d mais um tempo para voc entregar o documento para ele (abrindo espao para propinas, favores, presentes, etc). Isso tudo precisa acabar! Os nossos interesses no podem sobrepor s regras que a sociedade deve seguir e ns somos parte desta sociedade. Se no mudarmos o nosso comportamento, a cultura do favorecimento pessoal se torna uma instituio legalizada pela ao contrapondo aquilo que fora estabelecido.
Num estgio inicial, o "Jeitinho" Brasileiro no se traduz em ganho monetrio, ele se faz valer apenas da quebra de regras estabelecidas em funo de um julgamento pessoal sobre uma determinada situao que no exemplo anterior seria o funcionrio aceitar a sua matrcula sem que voc tenha entregado o documento (aquele que voc no providenciou) por entender que no justo algum passar num concurso e no poder efetuar sua matrcula porque "no tem um documento". Dada sua pouca influncia social, o "transgressor" (aquele que d o jeitinho) passa a ser considerado em um novo patamar ou posio uma vez que solucionou um determinado problema mesmo que contrariando uma norma. Neste caso no h corrupo (ainda) mas a pessoa que cede, o faz por seu prprio julgamento e por entender que a regra inadequada. Importante ressaltar que no h uma alterao ou aprimoramento das regras estabelecidas uma vez que as mudanas tm carter pessoal, emocional ou at social e no so comunicadas ou identificadas por algum de direito e dessa forma no permite correes. O "ser bonzinho" ou "agir com o corao" transforma o errado em certo e nos faz perder a noo de civilidade e tica. Da para evoluirmos para a corrupo s uma questo de tempo ou de oportunidade.
Voc se lembra do comercial do cigarro Vila Rica que foi veiculado na dcada de 70 em que o jogador Grson (campeo do Mundo na Copa de 70) dizia que gostava de levar vantagem em tudo? Desta poca em diante surgiu a "Lei do Grson" como ficou conhecida toda e qualquer atitude onde algum levava alguma vantagem em uma negociao. Tempos mais tarde numa tentativa de se recuperar o mesmo jogador protagonizou outro comercial onde dizia que "o melhor do Brasil o brasileiro", mas desta vez sem muito sucesso. Essa "vantagem em tudo" at hoje representa, em grande parte, a forma de pensar de muitos de ns que entende que levar vantagem em tudo significa tambm burlar regras e leis.
(O vdeo a seguir no deve ser interpretado como um incentivo ao fumo, serve apenas como parte do contexto deste artigo)
Historicamente o nosso pas aprendeu a negociar baseando-se em lao de amizades como sendo premissa para ento existir o negcio propriamente dito o que nos colocou e ainda coloca como diferenciados (negativamente) entre os demais pases da Europa, da Amrica do Norte, sia e at de alguns dos pases da Amrica do Sul. Alguns dos nossos grandes crticos deste assunto colocaram claramente suas idias desde o final do sculo XIX e incio do sculo XX: Machado de Assis foi grande crtico do comportamento e personalidade de nosso povo; Mrio de Andrade, um dos lderes do movimento Modernista brasileiro, buscava uma identidade autenticamente brasileira quando criou o personagem Macunama - o heri sem nenhum carter, cuja frase principal era: - Ai que preguia! No foi toa que Mrio de Andrade criou estes traos de personalidade (preguioso, matreiro e mutreteiro) alm da mistura de branco, negro e ndio para o seu personagem. Mrio de Andrade no fazia nada sem que houvesse um profundo estudo sobre o assunto.
Machado de Assis
Mrio de Andrade
de longa data que somos conhecedores de muitas frases nossasque traduzem situaes muito semelhantes sobre o nosso jeito de ser:
"Amigos, amigos; negcios parte" - uma tentativa de demonstrar que aquela relao no teria influncia do "jeitinho" brasileiro.
"Aos inimigos, as leis; aos amigos, tudo" neste caso demonstrando claramente o favorecimento atravs do lado emocional e social.
"Jogar para debaixo do tapete" como uma forma de esconder o erro e deixar a situao como est.
"Voc sabe com quem est falando?" uma pergunta que impe um posicionamento de superioridade (pelo desconhecimento da pessoa ou de sua posio social) levado como uma forma de burlar uma regra previamente estabelecida sem apresentar inicialmente o transgressor.
"Aqui quem manda sou eu" quando dita por algum de menor poder ou influncia, traduz-se pela demonstrao clara de influncia e deciso sobre o processo ou regra estabelecida em benefcio ou favorecimento de outrem.
A nossa forte tendncia cordialidade, tolerncia e conciliao propicia um ambiente em que a informalidade, o "bom senso" (julgamento prprio) e simpatia sobrepem s regras. Olhando pelo lado dos negcios nota-se que no final da linha estes atos alteram enormemente os nossos custos de produo por requerer fiscalizaes excessivas, inspees muitas vezes desnecessrias e gerao de novas regras tanto nas esferas pblicas e privadas. J no existem mais os contratos feitos no "fio do bigode" onde a palavra tinha valor. Olhe ao seu redor e veja quantas atividades poderiam ser removidas do seu cotidiano caso cada um de ns fizssemos a nossa parte em concordncia com a sociedade e no com o nosso julgamento apenas.
Periodicamente participo de reunies com pessoas de outras nacionalidades e posso lhe assegurar que a nossa imagem no nada agradvel diante dos olhos destas pessoas e, invariavelmente, temos que "matar um leo" (me desculpem os defensores dos animais) por dia para provar que somos honestos, sabemos cumprir horrios e respeitamos os regras e o direito dos outros. Isso no nada bom! Se voc tem algum amigo brasileiro que vive em outro pas, aproveite esta oportunidade e pergunte a ele como somos vistos por estas pessoas Voc certamente vai ficar chocado com o que vai ouvir se que ainda no ouviu.
Por ltimo quero esclarecer que apesar de toda esta situao existem muitas pessoas que se desvencilharam deste estigma de (m) formao cultural que envolve o nosso pas (Graas a Deus!) e apenas ainda so em nmero muito reduzido. Cabe a cada um de ns iniciarmos, mesmo em passos pequenos, uma corrida para mudar o curso desta histria, so atitudessimples que resultaro emmodificaes radicais na natureza do nosso comportamento diante das situaes a que somos expostos. Ns temos a obrigao de fazermos um pas melhor para ns e para os nossos filhos.
Voc no precisa levar vantagem em tudo. Diga NO ao "Jeitinho" (ruim) Brasileiro!
O "Jeitinho" (ruim) Brasileiro: Um texto para refletir
Graduado emProc. de Dados pelo Mackenzie/SP, Ps em Administrao Industrial e MBA pelo INPG. Aluno de Mestrado em Produo do ITA. Gerente de empresa multinacional com vrios cursos e seminrios no Brasil e Exterior. Palestrante e Diretor do Palestra Cnica. Possui um blog sobre Administrao http://ngfconsultoria.blogspot.com (Artigonal SC #3375461)