subject: A renĂșncia de Waldir Pires ao governo da Bahia [print this page] A renncia de Waldir Pires ao governo da Bahia
O ps-greve geral de 1989 estimularia vrios movimentos nos estados. Aqui na Bahia seria deflagrada uma verdadeira onda de movimentos onde comparecem os funcionrios da Brasilgs e da Butano, comercirios, servidores municipais, estaduais e da UFBA, a Chadler, vigilantes, universidades estaduais, professores da rede privada e seus respectivos alunos, petroleiros, rodovirios, petroqumicos, metalrgicos (inclusive a ENGEX uma grande fbrica onde atuvamos), bebidas, ferrovirios, EMBASA, estivadores, bancrios, Aos Bombril (onde despontava o militante Hamilton Assis) e empreiteiras da TELEBAHIA. Na greve dos bancrios houve as prises dos vereadores Bete Wagner (PCB) e Daniel Almeida (PCdoB), alm da sindicalista txtil Maria Eliseth.
O ms de abril comearia com o veto de Sarney ao salrio mnimo aprovado pelo Congresso, enquanto os funcionrios do Banco Central entram em greve. Na oportunidade o presidente avalia que seus anos de governo contabilizam "mais de 8.000 greves", que so apresentadas como "tentativa de desestabilizao". Escolhe a ocasio para divulgar em cadeia nacional a edio da MP 50 que institui a obrigatoriedade da "presena de um tero da categoria para declarar greve", alm de definir as categorias essenciais, ou seja, as que no poderiam fazer greve, incluindo entre elas algumas das mais ativas em seu governo. Outra MP autorizaria o ministro da fazenda a rever o congelamento de preos e servios. A lei anti-greve suscitaria dura condenao da CUT, quando seu presidente Jair Meneghelli afirma que "os trabalhadores no a cumpririam", tendo sido chamado a Polcia Federal para explicar a declarao.
Nesse momento o governador Waldir Pires resolve comprar a briga com os servidores do estado transformando-os em "bodes expiatrios" da situao da mquina pblica estadual, respaldado em uma pesquisa do IBOPE sobre o mau conceito daqueles aferido entre a populao. Faz encaminhar a Assembleia Legislativa um projeto de reforma administrativa onde extingue oito autarquias, uma fundao, dois rgos em regime especial da administrao centralizada, corta centenas de cargos na administrao indireta atingindo milhares de servidores, para o quais prev a "redistribuio e movimentao".
Como o projeto no previa o nmero de demitidos comea a circular na imprensa especulaes que calculavam de 10 a 55.000 os servidores atingidos. Prev-se imediatamente de 5 a 15.000 demisses que recairiam sobre os contratados com menos de cinco anos. As demisses chegaram a 4.300 at o dia do meu 41 aniversrio em 24 de abril. Na Cesta do Povo e na EMATERBA foram quase quinhentas, na Fundao Cultural (onde eu trabalhava) foram 143, e atingiriam quase todos os rgos. A maioria dos demitidos ganham os menores salrios. Denunciam casos escabrosos como a demisso de pessoas em tratamento de sade, mulheres grvidas e deficientes visuais. Para amenizar o desgaste envia para a Assembleia Legislativa o reajuste aos servidores que, mesmo sofrendo alteraes para cima naquela casa, fica longe de contentar os servidores.
Estes reagem de pronto, comparecendo Assembleia Legislativa onde se discutia a reforma, tendo oportunidade de se conscientizarem das intenes do projeto e repassam as informaes para os seus colegas. O processo contribuiu para o seu maior movimento visto na Bahia at hoje. Os servidores picham as paredes, organizam atos e passeatas pelas ruas da capital e buscam negociaes com o governo. A "balana" do CAB ponto de encontro de diversas movimentaes e caminhadas at a Assembleia. Na ocasio prpria "Zez" (APLB) detida quando participava de uma pichao. Uma passeata-monstro de servidores sai do Campo Grande, para na Piedade e segue para a Praa Municipal nesses dias.
Na poca criada a Coordenao Pr-Sindical dos Funcionrios Pblicos onde participam, entre outros, Jose Martin Ucha, Accio Arajo e Renato Carvalho. As tentativas de negociao, entretanto, no progridem, pois o governo insiste nas demisses com o discurso de colocar para fora os contratados a partir de 1983. O vice governador Nilo Coelho, plenamente sintonizado com as medidas, declara que os efeitos negativos seriam "apenas a curto prazo". Igncio Gomes (agora presidente da EMBASA), antigo apoiador dos movimentos sociais quando foi vereador, fala em demisso de "vinte por cento" dos servidores do rgo.
O PT onde eu participava, esteve na linha de frente da luta contra as novas demisses do funcionalismo, assim como militantes e a rea de influncia da O. Os parlamentares do partido Alcides Modesto, Geracina Aguiar e Edival Passos estiveram presentes nas manifestaes. O primeiro deu entrada a projeto na Assembleia sustando as demisses, que foi cozinhado em banho maria e falta de qurum pelos governistas. A luta se desenrolou em meio paralizao da mquina administrativa com muitos servidores comparecendo ao trabalho e no assinando ponto e outros boicotando o servio, individual ou coletivamente. Vrios rgos iniciaram greves, inclusive porque a sada de pessoal s vezes no deixava outra opo.
Nesse ms o governador Waldir Pires tambm disputa a indicao da candidatura que o PMDB ir apresentar nas eleies j asseguradas presidncia da repblica. Na conveno do partido a chapa "progressista" Compromisso havia derrotado os "moderados" da Unidade, de forma ampla, em torno de 62% contra 37% dos votos. Vem ento tona as pesquisas sobre os candidatos preferidos pelos congressistas, onde os jornais O Globo e o Data Folha divulgam Waldir em primeiro lugar, para o primeiro com 26% e para o segundo com 24%.
O primeiro turno das eleies do PMDB teve quatro candidatos a presidente, ficando Waldir em segundo com 272 votos, apenas 25 votos a menos do que vitorioso Ulisses Guimares. Atrs do governador da Bahia ficaram Iris Rezende, com 251 votos, e lvaro Dias, com 72 votos. O que viria a seguir eu obteria atravs informaes "oficiais" para o que ocorreria na Bahia. Formado um "consenso" em torno da candidatura de Ulysses no houve necessidade do segundo turno apresentando-se uma chapa para a conveno com os dois melhores colocados, Ulisses candidato a presidente e Waldir a vice.
Os regulamentos eleitorais da poca no permitiam que se acumulasse a candidatura com o exerccio de cargo pblico, de modo que, no dia 14 de maio Waldir apresenta a sua renuncia ao governo e substitudo pelo vice Nilo Coelho. No sem antes que o vice-governador o substitusse na edio do decreto que completaria a sua reforma administrativa rescindindo o contrato de milhares de servidores.
O impacto da deciso de Waldir para o estado foi tremendo. De certo modo o que aconteceu tinha paralelo com o que sucedeu no pas (onde aps mais de duas dcadas de governos ditatoriais o governo seria passado para um antigo representante do regime) s que desta vez, no pela morte, mas atravs de ato voluntrio. Com a atitude Waldir perderia apoio em vrios segmentos da populao que sucumbiriam ao argumento carlista de intitular sua passagem pela gesto estadual como o "governo da moleza".
Durante os tristes anos de Nilo Coelho foram ressuscitados os mtodos carlistas frente da mquina estadual e pode mesmo esta corrente se fortalecer pelo relacionamento amistoso com o novo titular do cargo. O processo animou ao prprio ACM a se apresentar candidato ao governo pela terceira vez em 1990.
At hoje o episdio no foi bem explicado, havendo quem o compare, em termos baianos, renncia de Jnio Quadros um quarto de sculo antes. No faltam verses para o ocorrido. H quem diga que a atitude se deveu "solidariedade de Waldir com o velho Ulysses" fortalecendo a sua candidatura presidente numa eleio onde no podia adivinhar o pssimo resultado final. Outros a debitam sua postura tica de "assumir os compromissos estabelecidos com os dissidentes do regime" durante a campanha. No tem sido, porm, investigada a grave situao da mquina estatal herdada de anos de ditadura.
O amigo e jornalista Antnio Jorge revelou muito tempo depois, que havia um grupo de servidores trabalhando secretamente no programa da coligao "Muda Bahia" desde o perodo eleitoral. Este esforo seria determinante para o candidato conhecer a situao do estado, o que seria evidenciado na campanha. Logo ao assumir o governador declara que suprimiria todos os "contratos irregulares" e, seu secretrio da fazenda Sergio Gaudenzi, fala em "reduzir cerca de 30 a 40% dos servidores pblicos". Alguns meses depois o secretrio de planejamento do governo, o saudoso Jairo Simes, alerta para a grave situao do errio pblico. Mas seria durante a grande greve dos servidores estaduais do fim do ano de 1987 que o prprio Waldir (inclusive para buscar agregar bases de apoio contra o movimento) iria deixar escapar a gravidade da situao. Na oportunidade observa que "dispunha apenas de 7% para investimentos do estado", o que antevia o comprometimento de praticamente todo o oramento do estado para o custeio da administrao e a manuteno dos compromissos anteriores.
Falava-se na poca que o governo Joo Durval havia deixado umas "bombas de efeito retardado" para Waldir. Se isto era verdade ou no, o certo que os curtos anos do governo Waldir transcorreram numa conjuntura excepcionalmente difcil. Havia chegado ao governo antes que a constituio federal inaugurasse novas relaes no repasse de verbas da unio para os estados. No perodo, ficou evidente a m vontade do presidente Sarney de enviar verbas para a Bahia, que era dirigida por um governador que apoiou (mesmo que nos bastidores) o encurtamento do seu mandato, e cujos deputados aliados no podiam ser computados como automticos no apoio ao governo federal.
Havia ainda a impossibilidade de dirigir o estado do mesmo jeito que os modernizadores autoritrios Luiz Viana e ACM fizeram antes, principalmente porque durante seu governo se encerraria a ampliao do Polo e o pas vai entrando na reestruturao produtiva que, entre outros efeitos, vo levar ao enfraquecimento do Estado. No entanto, mais do que tudo pode ter pesado o perfil poltico do governo "da mudana" onde era decisiva a aliana com vrios dissidentes do regime militar na Bahia, que resistiriam a mudanas oramentrias que alterassem a situao anterior inclusive com o apoio do governo federal. Entre contrariar todos esses interesses e "rumar para o alto" abrindo mo do governo Waldir optou pelo segundo, inclusive por sua formao humanista despojada.
Uma semana depois de receber o governo de Waldir Nilo Coelho aproximar-se-ia do presidente Jose Sarney. No estado o PCdoB rompe com o novo governador, assim como em Salvador o prefeito Mrio Kertsz rompe com Pedro Irujo. O primeiro episdio ocorreria de maneira surpreendentemente cordata, sendo comunicado da tribuna da Assembleia pelo deputado do partido Luiz Nova. Afirma na ocasio de que j teria comunicado o fato ao prprio governador em audincia e que o partido "no far nenhuma oposio irresponsvel adotando o mesmo procedimento seguido na administrao Joo Durval (!), colocando os interesses da populao acima das questes partidrias". Quanto presena de militantes na gesto disse que j havia sido demitido o titular do nico cargo indicado pelo partido "existindo apenas profissionais que teriam sido chamados a atuar pelos prprios dirigentes de rgos sem interferncia do partido". No caso do segundo rompimento pesaram as opes diferentes na disputa presidencial.