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Cultura e estética do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prática social do casamento e da comicidade

Cultura e estética do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prática social do casamento e da comicidade

Introduo

Introduo

1.1 Contextualizao

De acordo com a periodizao usualmente escolhida para demarcar a evoluo da literatura latina, a obra do autor Tito Mcio Plauto se encontra inserida no perodo arcaico, isto , pr-clssico. A influncia inegvel de suas comdias para o Teatro dos tempos subseqentes facilmente observvel se considerarmos os mais ilustres exemplos de obras nele inspiradas escritas em lnguas romnicas modernas, tais quais L'avare, de Molire, O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna e O Auto dos Enfatries, de Lus de Cames. No devemos, contudo, esquecer a influncia ainda em lngua latina, como a imitatio[1] reconhecida no Querolus no sculo V d.C.
Cultura e estética do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prática social do casamento e da comicidade

Por intermdio do gramtico Aulo Glio[2], sabemos que "alm das vinte e uma peas que ele [Varro] selecionou porque delas no se duvidava (...) tambm aceitou e atribuiu a Plauto outras com base em seu estilo". A irreverncia, o uso de personagens arquetpicos e a diversificao dos usos da linguagem so algumas das importantes marcas do teatro plautino que, alm de seu reconhecido valor como manifestao artstica, uma das mais valiosas fontes para o estudo do latim vulgar[3].

De igual forma, destaca-se a obra teatral de Gil Vicente poca do Renascimento portugus, de espontaneidade e crtica notveis, que to bem nos retratam a sociedade do sculo XVI, seus costumes, sua estratificao, seus vcios e os diversos problemas dos homens da poca. Seu estilo irreverente remete-nos ao de Plauto, mormente quando vemos, em Saraiva, o reconhecimento de que

Gil Vicente reproduz maravilhosamente a linguagem coloquial. O verso (...) serve, sim, para fixar melhor a lngua corrente (dentro da funo tradicionalmente atribuda ao ritmo), para a ritmar, para chamar a ateno do leitor para paralelismos ou contrastes, enfim para tirar efeitos implcitos na fala quotidiana, tal como sucede com a maior parte dos provrbios tradicionais [4]

A enorme variedade de temas, atitudes e gneros que encontramos no teatro vicentino inspira-nos a estabelecer um recorte para a pesquisa deste autor que transitou entre a expresso gtica, com seus contrastes entre o esprito e a carne (percebidos, por exemplo, pelo papel do Anjo no Auto da Alma e pela solenidade litrgica no Auto de Mofina Mendes), e o realismo acentuado, da mais acurada e competente retratao de tipos sociais (como em Quem tem farelos e no Auto da Barca do Inferno).

O escritor e crtico paraibano Ariano Suassuna, por sua vez, contribuiu de modo imensurvel para a constituio da identidade do teatro nordestino[5], aproximando-se, conforme suas prprias palavras nos levam a crer, do ideal expressivo tanto de Plauto quanto de Gil Vicente[6].

Iniciando pela ambientao de O Santo e a Porca, Suassuna incute a identidade e a cultura nordestinas atravs dos aspectos geogrfico-culturais, como a Festa de So Joo. Singularizando sua obra e equilibrando o carter imitativo ao regional, d-lhe o subttulo "Imitao Nordestina de Plauto" e demonstra que, mais do que um modelo, a Aulularia um ponto de partida a partir do qual criar uma pea original e nica, inserida em seu prprio contexto histrico-social e recheada de contornos culturais, ipso facto valorosa no s em perspectiva comparada, mas individual.

1.2 Apresentao do tema

1.2.1 Generalidades

A identificao de dois dos maiores autores teatrais com um nvel de influncia nas geraes posteriores de difcil mensurao (Plauto e Gil Vicente) e de uma recriao do teatro do comedigrafo romano por um grande autor brasileiro da contemporaneidade (Ariano Suassuna) leva-nos ao desejo de estudar, com profundidade, a estrutura de cada obra, a criao da comicidade e a noo de jogo, bem como especificar a influncia da cultura e do contexto histrico-social nas referidas produes, tendo em mente, especialmente, a prtica do casamento como um evento particular a cada sociedade.

Assumindo que estes escritores reproduzem em suas comdias elementos, situaes e tipos humanos a eles contemporneos, parece-nos um vasto leque de pesquisa a delimitao mais precisa destes retratos sociais.

Limitar-nos-emos, dada a extenso da proposta, a estudar uma nica obra de cada comedigrafo, a saber: a Comdia da Panela, de Plauto, a Comdia do Vivo, de Gil Vicente, bem como a pea brasileira de Ariano Suassuna que tem como base aquela obra plautina: O Santo e a Porca.

1.2.2 Da comdia de Plauto e Suassuna

O Teatro Romano, por natureza, est intimamente ligado aos Jogos e espetculos que at hoje constituem os principais esteretipos atravs dos quais se nos apresentam o legado da cultura romana, tais como os embates dos gladiadores. Estes Jogos dividem-se, segundo nomenclatura de Maria Helena da Rocha Pereira (2002), em ordinrios e extraordinrios. Destes percebemos o bvio carter excepcional, pois a funo dos Jogos normalmente era acompanhar eventos especiais, como uma cerimnia de triunfo ou os funerais de personalidades romanas. Daqueles fazem parte os Ludi Romani, os Ludi Megalenses, a cargo dos edis curuis, os Ludi Plebei, organizados pelos edis da plebe, e os Ludi Apollinares, preparados pelo pretor urbano, todos estes sendo jogos peridicos que aconteciam em meses especficos do ano.

O espetculo teatral, neste contexto, no consistia em um evento auto-suficiente e independente, mas apenas em um componente dos Jogos, o que motivou, inclusive, conforme nos lembra Pereira, uma queixa por parte de Terncio no prlogo de A Sogra concernente dificuldade em se apresentar uma pea em meio "calamidade" dos Jogos. Das seis peas conhecidas deste autor, segundo a professora, quatro foram estreadas nos Ludi Megalenses, entre as quais A Sogra, e duas nos jogos fnebres de Paulo Emlio.

Acerca dos aspectos lingsticos da designao do jogo latino, Huizinga (2004) nos ensina que os romanos sintetizavam num nico vocbulo ludus todas as acepes do conceito de jogo, ao contrrio dos gregos, que tripartiam a semntica da seguinte forma: , ou seja, o infantil, os brinquedos e as brincadeiras que, em um sentido mais amplo, abrangem, inclusive, as formas ldicas sagradas; , que, em segundo plano, representa o ftil e o frvolo; finalmente, representa a competio e o concurso, eventos de extrema importncia tanto na cultura grega quanto na latina. Esta ltima, a que verdadeiramente nos interessa, ajuda a esclarecer a concepo romana das competies, uma vez que, como j esclarecemos, somente a forma ludus indicava em latim a noo de jogo, carregada, conforme percebemos pelo lxico helnico, de mais de um sentido. A semntica de ludus remete noo de iluso, simulao e irreal, estando oculta nas grandes competies pblicas, que representavam um importantssimo papel no cotidiano romano[7].

Tendo em mente que "a cultura surge sob a forma do jogo"[8], parece-nos impossvel no traar um perfil dos aspectos culturais de Roma em funo de suas expresses ldicas. Mesmo que, com a evoluo, o jogo esteja propenso a assumir um papel menos importante na cultura, restringindo-se a, entre outros, ritos sagrados, poesia e folclore, seus aspectos obscurecidos podem ser resgatados nas manifestaes culturais.

Consideramos aqui, para definir o conceito de jogo, o fator espao (no caso do jogo teatral, o palco da encenao), que certamente diferir em Plauto, Gil Vicente e Suassuna, e o fator tempo (no nosso caso, o tempo cronolgico e psicolgico)[9]. Levaremos em conta, da mesma forma, outras caractersticas bsicas do jogo, como a liberdade que ele supe, o faz-de-conta e a evaso da vida real para uma realidade temporria, que absorve completamente o jogador e torna o prprio jogo "srio", o isolamento em que est inserido atravs da limitao fsica do espao, a verdade indiscutvel de suas regras, o eixo tenso-soluo que molda o espetculo e que cria a expectativa de ganho ou perda etc.

Sabe-se que, com o surgimento da Comdia Nova, a ambientao das peas migrou da plis decadente para centralizar-se na famlia[10], ou seja, retratam-se os indivduos e no mais os cidados. Dada a inteno explcita de Plauto em agradar as grandes massas, ao contrrio do que fez Terncio, percebemos um intenso fluxo de temas relacionados famlia - relaes entre pais e filhos, casamento, maternidade etc. bem como a existncia de personagens representantes de arqutipos sociais em dilogo com a realidade do pblico espectador.

A vinculao das obras dos autores teatrais romanos da poca republicana ao teatro grego percebida de diversas maneiras: inicialmente, pelas palavras dos prprios autores[11], conforme vemos nos prlogos de O Homem das Trs Moedas Philemo scripsit, Plautus uortit barbare[12] -e, em igual estrutura, da Comdia dos Burros Demophilus scripsit, Maccus uortit barbare[13]; atravs dos escritos deixados por outros autores romanos da poca imperial, tais como Ccero[14], que afirma terem sido as Fabellas Latinas ad uerbum e Graecis expressas, ou seja, as peas latinas tiradas das gregas palavra a palavra; ento, finalmente, aps os testemunhos em lngua latina, a confirmao se d atravs de uma anlise das obras restantes dos dois autores notveis da era republicana, Plauto e Terncio, em busca da retratao e manuteno dos costumes e das instituies caractersticas da sociedade helnica ou da adaptao para os costumes e instituies da sociedade romana. O resultado desta investigao revela que o gnio do Lcio no admitia, em sua arte, a mera reproduo literal de uma sociedade estrangeira[15].

Plauto, cujos dados biogrficos nos so extremamente nebulosos[16], notabilizou-se por no s expor uma cpia fiel das comdias gregas, mas por ajudar a estabelecer a identidade da arte romana, que se diferenciava daquela, entre outras razes, pelo valor dado musicalidade. Conforme nos ensina Grimal (2002), enquanto a Comdia Nova dos gregos tendia a expressar e se aproximar do real nos dilogos entre personagens, na comdia latina, prevalece o elemento ldico, o despertar do prazer e do riso, atravs de um pblico que observa o espetculo em virtude da msica, da dana e do ritmo.

Conforme j explicitamos, a obra de Plauto, por diversas razes, representa uma importante fonte para o estudo da lngua latina vulgar: atravs da observncia da confuso que se estabelece na utilizao dos nomes da terceira e da quarta declinaes pela segunda; devido ao largo uso de preposies (cum no lugar do ablativo de instrumento, ad em vez do uso do vocbulo declinado no dativo e de substituindo a flexo do genitivo, por exemplo), contrariando a tendncia sinttica, natural s desinncias de caso, que percorria o latim clssico, cuja estilstica, especialmente na poesia, prezava pelas elipses e zeugmas; pela tendncia progressiva a tornar analtico, como nas lnguas neolatinas modernas, o grau comparativo dos adjetivos; atravs da utilizao, por fim, de expresses e de lxico de origem popular.

A decadncia dos valores familiares emerge conforme as conquistas imperialistas foram imprimindo profundas mudanas sociais na vida romana, atravs da utilizao crescente de mo-de-obra escrava, do desequilbrio econmico pela prtica da usura e do eventual distanciamento entre a classe rica e a classe pobre. Desta forma, intensifica-se o valor do dinheiro e das posses: para o paterfamilias, era necessrio conservar e multiplicar os bens; para a filha, o dote era de inestimvel valor; para o filho, havia a necessidade de sustentar amantes; para a materfamilias, finalmente, era imperioso manter seu padro de vida. Esta situao gerou os arqutipos criticados por Plauto, a saber: o avarento e luxurioso pai, corrompido pelo valor do dinheiro; o adulescens, que s tinha suas atenes voltadas para a conquista de mulheres, fossem elas castas donzelas ou meretrizes; a filha, submissa virtude imposta pela necessidade de sua pureza, era representada como um objeto de estimado valor.

A Aulularia uma comdia de intriga e de carter, apresentando duas aes, a saber, as peripcias de Euclio, o avarento, aps ter encontrado uma panela cheia de ouro e a histria de amor de sua filha, que recebeu proposta de casamento de Megadoro, no sabendo este de sua gravidez. A caracterizao de Euclio como um velho avarento, temeroso e eternamente desconfiado configura-se como um dos principais elementos da comicidade da obra, atravs da imagem do ridculo que permeia o personagem, transtornado com a descoberta de tanto ouro.

Aobra do dramaturgo nordestino Ariano Suassuna explicitamente baseada na comdia Aulularia de Plauto, aluso indicada dentro do prprio texto atravs da atribuio do autor do subttulo "Imitao Nordestina de Plauto" obra. Ambientada no sculo XX, a sociedade escolhida por Suassuna para abrigar esta recriao atual da comdia romana apresenta pontos de proximidade com a utilizada em seu modelo. Sabidamente, uma das caractersticas da comdia de Plauto era criticar o sistema poltico-social da poca e os arqutipos de cidados neste inseridos. Toda a cultura romana, estruturada sobre as bases slidas dos mitos de feitos hericos e do elemento divino, em muito se assemelha nordestina, com seus "valores tradicionais e regionais mantidos por uma tradio folclrica e religiosa", conforme nos ensinam Nuez, Andrade, Alcntara, Soares e Moura, em artigo publicado no IV Congresso Nacional de Lingstica e Filologia[17].

Conforme j explicamos, a obra de Ariano Suassuna, de fundamental relevncia para a constituio do teatro brasileiro moderno[18], conferiu uma identidade prpria ao teatro do Nordeste do Brasil, uma vez que a experincia social do autor transferiu-se para a obra, medida que identificamos marcas regionais, sejam lingsticas no mbito lxico-semntico ou culturais no mbito das referncias genricas e eventos tpicos. Evidentemente, no basta que a produo nordestina autntica seja assim identificada por ter sido composta por um autor nascido nesta regio, sendo conditio sine qua, para imprimir identidade regional obra, que elementos da cultura transpaream nas personagens, no espao e/ou em outras caractersticas inerentes referida produo.

No caso de O Santo e a Porca, percebemos nitidamente que a devoo de Eurico a Santo Antnio carregada de informalidade e carter de proximidade devoto-divindade, de acordo com a tendncia litrgica popular do Brasil[19]. Hollanda nos ensina que, na tradio brasileira,

foi justamente o nosso culto sem obrigaes e sem rigor, intimista e familiar, a que se poderia chamar, com alguma impropriedade, "democrtico", um culto que dispensava no fiel todo esforo, toda diligncia, toda tirania sobre si mesmo, o que rompeu pela base nosso sentimento religioso.[20]

Alm disso, os provrbios populares constantemente pronunciados por Pinho representam outra das caractersticas que notabilizaram Suassuna por seu teatro regional: "Boa romaria faz quem em sua casa fica em paz!" e "mas seguro morreu de velho e desconfiado ainda est vivo"[21].

maneira de Plauto, que sempre recorria figura do escravo para solucionar os problemas, Suassuna, em diversas peas, faz uso da personagem "esperta": Auto da Compadecida, O Casamento Suspeitoso, A Pena e a Lei e, claro, O Santo e a Porca. De acordo com a definio de "malandro" de Candido (1970), entendemos que Caroba se encontra classificada como uma variante da malandragem. ela quem desencadeia a srie de confuses engendradas para tornar-se nova proprietria das terras conforme a promessa de Dod. Desta forma, ao longo da pea, procura fazer com que Eudoro se case com Benona, Dod com Margarida e ela prpria com Pinho

Assim, parece-nos um caminho de pesquisa bastante frutfero e produtivo estudar a representao da famlia, em especial atravs da prtica do casamento, na pea Aulularia, e sua vinculao com o elemento religioso (culto ao Lar e aos Manes)[22], em perspectiva comparada representao na obra teatral brasileira do sculo XX baseada em Plauto, O Santo e a Porca. De igual forma, identificar o papel da famlia e do casamento, bem como seu embasamento cultural, no teatro de Gil Vicente e tirar, desta tripla anlise, concluses que aproximem ou distanciem o tratamento temtico dado pelos trs autores constitui uma importante problemtica a ser discutida.

No que diz respeito aos romanos, Grimal (1988) e Pereira (2002) nos ajudaro a tecer comentrios pertinentes acerca da organizao familiar e da prtica do matrimnio. Neste sentido, contaremos ainda com as informaes de Hunter (1985) que nos d uma breve explanao acerca dos costumes matrimoniais de Roma, estabelecendo um dilogo com a Comdia da Panela. O casamento, segundo o autor, subsiste na sociedade romana de duas maneiras: (i) cum manu, ou seja, em que o marido toma posse tanto da mulher quanto de seu dote e (ii) sine manu, ou seja, em que o dote e a esposa permanecem sob patria potestas. A mulher que possui dote, doravante uxor dotata, transformou-se em uma personagem arquetpica na obra plautina, e este o elemento efetivamente relevante para a anlise da presena da cultura romana, no que diz respeito ao casamento, na obra de Plauto, pois Hunter afirma que, em alguns casos, impossvel distinguir se as formas de matrimnio apresentadas nas comdias seguem os costumes da cultura helnica, ou seja, da obra-modelo, ou se se adaptam aos costumes matrimoniais romanos.

A uxor dotata encarada como motivo de perigo para seu marido, uma vez que, quanto maior seu dote, possivelmente maiores sero as suas exigncias. esta interpretao que motiva Megadoro a casar-se com a filha sem dote de Euclio, apenas por questes afetivas. Neste contexto, percebemos a ligao entre o primeiro aspecto a ser analisado na pesquisa o casamento, a famlia e a sociedade e o seguinte a construo e a esttica do humor -, pois o principal elemento desencadeador de comicidade (a panela) est intimamente relacionado com a questo do casamento, por representar o dote a ser concedido ao marido, conforme o final proposto pela reconstituio da obra.

Desde o prlogo, percebemos a interferncia do elemento divino associado famlia, quando o deus Lar diz "Por sua causa fiz que seu pai Euclio descobrisse o tesouro, a fim de que, mais facilmente, a pudesse casar, se ela o desejasse". Simultaneamente, percebemos o carter consensual do casamento em Roma pela expresso "se ela o desejasse", um indicativo a mais, em nossa interpretao, de adaptabilidade e originalidade da obra de Plauto em relao ao modelo em que se baseou, uma vez que o casamento grego, no que se refere ao desejo das mulheres, era absolutamente negligente e alheio.

1.2.3 Da comdia de Gil Vicente

Acerca das origens do teatro popular em Portugal, que tem em Gil Vicente um de seus maiores representantes, faremos alguns comentrios introdutrios. De acordo com Massaud Moiss (1974), remonta encenao francesa do sculo XII a base do teatro que inspirou, sculos depois, o gnio artstico de Gil Vicente. Consistia, inicialmente, em uma rpida representao cnica de fragmentos bblicos nos dias de Natal e Pscoa, especialmente, alm de algumas outras datas festivas. Devido sua natureza litrgica, os altares das igrejas serviam como palco para a encenao, tendo-se, em seguida, transferido para o claustro e, ento, para o adro. A lngua utilizada nesta manifestao inicial e primitiva de teatro era, naturalmente, a latina, s posteriormente passando ao vernculo. Como o costume cnico de origem religiosa se difundiu, a prpria populao passou a montar seus espetculos particulares, inserindo, assim, o elemento profano no desenvolvimento do teatro e alargando as possibilidades de ambientao: do interior das igrejas para os mercados, feiras e castelos.

Certamente, afirmar-se que j havia teatro em Portugal antes de Gil Vicente no possvel, uma vez que no h documentos comprobatrios destas manifestaes. parte das pequenas representaes satricas, cavaleirescas, religiosas ou burlescas antes realizadas, Gil Vicente exerceu seu pioneirismo artstico e consagrou seu teatro popular, cuja tradio de escrita em versos s seria contestada anos depois pelo cultor da prosa teatral Antnio Jos da Silva, o Judeu, estabelecendo, com seus autos e farsas, uma tradio teatral para Portugal. Com habilidade artstica para acarretar, nos perodos posteriores, inmeras tendncias e correntes de classificao de suas obras[23], Gil Vicente no nos deixou dados consistentes de sua biografia[24] e, pela natureza dbia de sua obra, a confirmao de sua adeso ao humanismo ou manuteno dos valores medievais no est livre de controvrsias, mormente devido insuficincia crtica de que a periodizao tradicional da Literatura padece[25].

Embora suas peas fossem encenadas nos seres do Rei de Portugal de modo a servir como entretenimento aristocrtico, sua construo se dava atravs de uma forte tendncia primitiva e popular. A prtica cnica era baseada no elemento improvisado, ou seja, a espontaneidade dos atores viabilizava-se por uma obra cujos limites e rdeas no eram demasiadamente estreitados por uma marcao teatral rica. As condies de encenao, ainda, so mais um elemento a se considerar na hora de explicar o papel do improviso no teatro vicentino: cenrio simples, por vezes ausente, montado no salo de festas do pao real (espao ldico), contando apenas como componentes uma cadeira e uma cortina.

Com a aproximao formal e tica entre a cultura eclesistica e a cultura popular[26], motivada pela centralizao do poder nas mos do rei, cuja corte passa, ento, junto com os mosteiros e rivalizando com eles, a produzir cultura, a literatura laica tem por cultores, entre outros, os plebeus enobrecidos pelo estudo. Com o poder do conhecimento se afastando dos domnios clericais, no ambiente de euforia iniciado pela conquista de Ceuta em 1415 e o posterior avano das navegaes, o Humanismo pressupe que o sujeito, para exercer sua humanidade, estude a potica, a retrica, a tica e a poltica. Neste contexto, o estudo e o conhecimento do latim, cujos autores clssicos so a base para estas quatro cincias de formao, so de vital importncia.

Desta forma, dificilmente poderamos incluir no chamado Humanismo artistas com domnio duvidoso da lngua de Ccero, de modo que a controvrsia entre os especialistas acerca dos estudos romanos de Gil Vicente pe em igual controvrsia sua incluso no Humanismo quatrocentista[27].

Gil Vicente aparece-nos como um homem de outra gerao. Tomado em conjunto, o seu teatro talvez pudesse considerar-se como um resumo da concepo medieval da vida, e tambm, por outro lado, como um digesto' de toda a literatura portuguesa anterior (...) tanto popular como palaciana. E, apesar de algumas contradies em que j se debate, a obra de Gil Vicente ressuma da alegria exuberante que anima a literatura portuguesa do final da Idade Mdia. Mas, por outro lado, nessa obra que ecoam com mais fora os debates de ideais (...) que, sob um invlucro ainda medieval, anunciam a desagregao do sistema de crenas e valores medievais.[28]

Contudo, no devemos nos esquecer de que o Renascimento uma poca da Histria que sempre foi objeto de conflitos de interpretao. O seu dilogo com a Idade Mdia no absolutamente decifrvel nem indubitvel, por vezes tornando-se improdutiva a tarefa de optar entre a caracterizao de um rompimento contrastante ou de uma continuidade inovadora[29].

Podemos dizer que o jogo, poca do Renascimento, se no assumiu um papel to marcante e inegavelmente presente na vida cotidiana do povo como poca da Repblica e do Imprio Romanos, ao menos digno de nota e estudo, sendo um erro no considerar que, apesar da intelectualidade e da seriedade que marcaram a virada da Idade Media, "no entanto uma atitude ldica que caracteriza toda a atmosfera espiritual do Renascimento". No que tange literatura, "O ciclo do Amadis da Glia reduz a aventura herica a pura farsa, ao passo que Cervantes continua sendo at hoje o grande mgico do riso e das lgrimas" [30].

lcito, contudo, lembrar que, independentemente da escolha do perodo em que melhor se insere o teatro de Gil Vicente, algumas caractersticas desenvolvidas no Renascimento j encontravam suas razes na Idade Mdia, o que corrobora nossa hiptese de que, qualquer que seja o caminho da anlise, as caractersticas bsicas sero semelhantes. Preferimos, dada a natureza limitadora da periodizao tradicional, afrouxar as marcaes temporais destes momentos e analis-los sob o aspecto da mudana profunda que se estabeleceu no pensamento ocidental e que possibilitou o renascer artstico de que tanto nos falam os livros de Histria[31].

Desta forma, reconhecemos que, a partir do ano mil, os documentos escritos acerca do cotidiano familiar tornam-se progressivamente mais abundantes e encontram, ao fim da primeira metade do sculo XIV, um limiar em que, ento suficientemente menos raros, possibilitam conceber a vida privada do sculo em questo e dos subseqentes. Alm disso, por volta deste mesmo limite histrico (1350), contemporneo epidemia de peste negra, percebemos uma modificao profunda no pensamento que impulsionou o homem a uma reflexo lcida acerca do mundo a seu redor. Evidenciamos que, a partir desta poca, produziu-se abundantemente arte de cunho realista, expressa por uma profunda tendncia de transcrever e inscrever o real na obra[32].

Convm retratar, nesta perspectiva, que o teatro de Gil Vicente um teatro de stira social, em que no h espao para o individualismo de uma personagem, mas, ao contrrio, para uma representao de um tipo social cujas aes derivam necessariamente da "lgica de sua condio", como diz Saraiva[33], "personificaes de conceitos e de instituies, e ainda entes sobrenaturais, como o Diabo e os anjos."

A obra escolhida, Comdia do Vivo, foi classificada por Saraiva como um auto cavaleiresco ao lado de Amadis de Gaula, explicando-os como "encenaes de episdios de romances cavaleirescos, no seu tempo em grande voga na Corte". Acerca do "reconhecimento de personagens aristocrticas antes desconhecidas como tal", o autor comenta que viabilizou "um casamento de amor at ento impossibilitado pela aparente condio viloa de tais personagens"[34].

Tendo j em mente que a obra de Gil Vicente nos revela um retrato do portugus rstico, com expresses e lxico tipicamente populares, explicitamos agora que a abrangncia de sua expressividade lingstica alcana tambm o bilingismo, em uma poca em que eram "castelhanas todas as esposas dos reis de Portugal"[35]. Assim como dois dos maiores expoentes da literatura portuguesa renascentista, Cames e S de Miranda, Gil Vicente utilizou-se tambm do castelhano na composio de suas obras, mesmo porque sua escola artstica remonta a Juan del Encina (1468-1529) e porque seu incio documentado na vida artstica situa-se a 7 de junho de 1502[36], quando nasceu o filho de D. Manuel e de D. Maria de Castela, filha dos reis catlicos, e Gil Vicente declamou, em castelhano, o Auto da Visitao. Entre outras obras compostas utilizando a lngua vizinha, citamos aquela que no presente trabalho pretendemos analisar: Comdia do Vivo.

No que se refere unio matrimonial na Europa dos sculos XV e XVI, poca de Gil Vicente, contaremos com o ensaio de King (1991). Se por um lado, tal como ocorria em Roma, o casamento funcionava como uma instituio regida pela concesso do dote, por outro, na sociedade vicentina, havia a recomendao de punio severa para o filho ou a filha que no aceitasse a escolha do pai, tendo sido documentados casos de agresso e isolamento como conseqncias desobedincia[37].

Embora possamos entender o casamento renascentista como baseado em motivaes mercenrias, no devemos ignorar as documentaes de Frei Cherubino, von Nettesheim e Alberti, que situam entre os componentes do bom matrimnio, alm da perpetuao, o afeto, o companheirismo e a confiana. Desde o final da Idade Mdia, portanto, comea a estruturar-se o modelo do casal romntico vigente no sculo XX[38].

Reconhecemos, na Comdia do Vivo, a presena da voz medieval trovadoresca de servilismo e vassalagem atravs do prncipe Rosvel, que renuncia a sua identidade nobre para trabalhar na casa do vivo e se aproximar de suas filhas: "Yo bien tiengo de servir / En ganado y em sembrada"[39]. Confessa, pelas duas donzelas, amar o sofrimento e no procurar o descanso e o sossego na vida, pedindo: "hacedme vueso porquero, que es menor."[40].

O amor matrimonial est tambm presente na devoo do vivo mulher falecida, claro durante a longa fala inicial da pea, em que ele, solitrio, lamenta a morte da esposa: "Ay de mi alma penada"[41].

Tal como propomos na Aulularia e em O Santo e a Porca, analisaremos as personagens da pea de Gil Vicente atravs dos retratos sociais que representam, no para reduzir a inventividade e o gnio artstico limitando-as a meras representaes do homem real, mas para reconhecer o dilogo da obra com o tempo e o espao em que foi produzida. Desta forma, analisaremos a figura do vivo no s pelo papel de homem apaixonado e sofredor que representa, j descrito acima, mas como responsvel pelo futuro das filhas no que diz respeito ao casamento. este pai que, com autoridade para escolher o pretendente e punir por desobedincia, anuncia:

porque dejo concertado

para Paula un casamiento

muy real:

y aun Melicia esta semana

le espero de dar marido[42]

King nos diz que "O homem do Renascimento tem muitos rostos perfeitamente distintos" e, mais adiante, que "Um homem pode ser prncipe ou guerreiro, artista ou humanista (...)" e que a mulher pode ser "me, filha ou viva; virgem ou prostituta, santa ou bruxa"[43]. Reconhecemos perfeitamente a posio casta e submissa das honrosas filhas do vivo, bem como a sua posio de autoridade paterna, conselheiro e guia que assim se dirige s suas filhas: "Lo que mas desasegura / mi holgura, / temer dao que se os siga" e, mais frente, "acurdese os la honestidade / y caridad / de vuestra madre defunta"[44].

Como ltima faceta a ser analisada do vivo, temos a sua profisso: mercador. Para tanto, utilizaremos o ensaio de Alberto Tenenti (1991), que discorre sobre, entre outros assuntos, a tradio historiogrfica da teologia que insere o mercador num eterno e insolvel conflito entre o material e o espiritual, ou seja, entre a ambio do enriquecimento e o receio do castigo divino post mortem. Embora no haja consenso, possvel que houvesse, poca do Renascimento, uma concomitncia de sentimentos que permitiam aos mercadores e banqueiros no se distanciarem nem da f catlica nem do senso de comerciante que mantinha suas empresas em crescimento. "Os mercadores so acima de tudo burgueses interessados nos seus negcios e no xito da sua famlia".[45]

Contrariando, portanto, a historiografia teolgica e corroborando a viso de Tenenti, temos o vivo, um mercador, a relacionar-se em perfeita comunho com a Igreja sob a forma do frade. "Padre, quedo consolado", assim foi recebido o conselho:

Vuestras hijas consolad

com gracia muy amorosa

vos, hermanas, descansad;

Dios os encomendad,

y La Vrgen gloriosa.[46]

1.2.4 Da obteno da comicidade

Por fim, como ltima problemtica a ser investigada, instiga-nos a questo estrutural concernente a cada pea em questo. As diferenas e as particularidades de cada contexto histrico, espao e tempo possibilitaram criaes independentes e igualmente particulares. Do mais alto interesse, para ns, o estudo comparado da estrutura da obra Aulularia e da obra O Santo e a Porca que, dada a distncia de mais de dois milnios de composio, nos sugere uma investigao mais profunda acerca da abordagem da mesma temtica e a utilizao de estratgias de comicidade em diferentes contextos. Sendo a obra de Suassuna uma imitao da de Plauto, pretendemos responder questo acerca da compatibilidade nos processos de obteno do elemento cmico.

Assim, promovendo uma anlise individual da comicidade de cada obra, poderemos discorrer sobre os mecanismos de obteno do riso nas trs obras de acordo com os diferentes contextos, estabelecendo articulaes possveis entre o teatro latino arcaico, o portugus medieval-renascentista e o brasileiro contemporneo, produzidos em contextos histricos particulares.

Estes mecanismos sero devidamente reconhecidos de acordo com as possibilidades de obteno da comicidade definidas por Henri Bergson (1987), a saber:

a) A comicidade das formas, dos gestos e movimentos, que "j no mais a vida, mas automatismo instalado na vida e imitando a vida"[47], perceptvel quando, por exemplo, uma determinada atitude corporal se torna to recorrente a ponto de ser possvel imit-la. Esta atitude est, certamente, desprendida de nossa verdadeira personalidade, pois o automatismo do gesto o "mecanicamente uniforme" que passvel de imitao e, portanto, de riso.

Destacamos a idia de "mecanismo superposto vida" para compreendermos melhor como a insero de um elemento rgido natureza mvel e instvel da vida humana capaz de provocar o riso. o cmico que nos faz rir de vestes antiquadas em um jovem, embora seja circunstancial, medida que um conjunto vesturio moderno utilizado na modernidade - no menos inflexvel e rgido por pertencer moda vigente - no nos parece risvel em primeira anlise.

Desta forma, entendemos como a noo de disfarce alcana propores maiores quando extrapola as fronteiras da relao entre elemento externo fixo e corpo humano, inserindo-se dentro de um nico corpo quando dele so retiradas qualidades ou caractersticas tomadas pelo observador como disfarce. Assim, um sujeito de nariz vermelho, irrelevantes as razes genticas para tal particularidade fisiolgica, tem de ser um sujeito com nariz pintado. A surpresa aflorada pela caracterstica peculiar causa a sensao de artificialidade, e desta que tiramos a comicidade.

Ampliando ainda mais este conceito, chegamos ao cerne do funcionamento da sociedade, e a que podemos, aps o breve tempo dedicado ao comentrio da teoria de Bergson aqui apresentado, retornar ao foco de nosso primeiro problema. A sociedade, assim como o indivduo e a prpria natureza, apresenta seus disfarces e seu inevitvel aspecto risvel. Quando primeiro tratamos das vestes inertes de que se utilizam os seres humanos, objetivamos enfocar a aparncia de rigidez que gera o cmico. Agora, aplicaremos o mesmo preceito sociedade, percebendo a artificialidade e a inrcia de seus elementos fixos tais como as solenidades culturalmente definidas e, portanto, repetitivas e automatizadas - que possivelmente traro o riso. Para esclarecermos melhor a questo, recorremos s palavras do prprio filsofo francs:

Poderamos dizer que as cerimnias so para o corpo social o que a roupa para o corpo individual: devem a sua seriedade a se identificarem para ns com o objeto srio a que as liga o uso, e perdem essa austeridade no momento em que nossa imaginao as isola dele. Assim, para uma cerimnia tornar-se cmica, basta que nossa ateno se concentre no que ela tem de cerimonioso, e esqueamos sua matria, como dizem os filsofos, para s pensar na forma.[48]

Dentro das celebraes sociais, mesmo as mais conceituadas e srias, encontraremos figuras especficas agindo de modo automatizado e extremamente limitado, como marionetes. assim que se poderia apresentar a figura de um padre celebrando um casamento, bem como os noivos cumprindo seu papel j previamente confeccionado e definido pela prpria tradio cultural e todos os demais aspectos, personagens e circunstncias que se fazem necessrias para estabelecer um autntico casamento. Estudar a comicidade do casamento nas trs peas distintas constitui, portanto, um de nossos pontos de estudo.

Acerca de outro ponto importante para a definio da comicidade de movimentos e gestos, mas certamente ainda derivado da noo primria de automatismo, encontramos a superposio da materialidade do corpo vitalidade da alma. No raro o efeito cmico obtido atravs da intercalao de um momento de profunda reflexo de dada personagem de comdia e a hilaridade de um acidente de natureza fsica, como um acesso de tosse. Vemos a monotonia do material interrompendo a flexibilidade mvel da ao da mente humana e causando o riso.

Desta superposio retiramos uma das notveis diferenas entre a tragdia e a comdia, sabendo que, naquela, o autor mantinha o foco de ateno do leitor nos pontos superiores dos seus heris, jamais na materialidade e na rigidez do corpo essencialmente cmico. Reconhecer, portanto, nas comdias de Plauto, Vicente e Suassuna, o papel do material na produo da comicidade constitui outro de nossos problemas a serem discutidos.

b) A comicidade de situaes, que se apresenta, entre outras possibilidades, atravs da teia de manipulaes entre as personagens, demonstra muitas cenas teatrais em que acreditam agirem de acordo com suas prprias motivaes, longe de influncias externas e, naturalmente, da manipulao de outrem. Sabendo-se que, em verdade, sob determinado ngulo de anlise, esto completamente submetidos ao controle do manipulador, nesse sentido que procuraremos analisar as intrigas e os desenlaces das comdias em questo. Citamos o efeito "bola de neve"[49], aplicvel inclusive a livros infantis e desenhos animados humorsticos, que consiste basicamente em uma propagao contnua de aes que desencadeiam resultados inesperados. Encontrado em diversas comdias, o efeito "bola de neve" aparece em Dom Quixote na cena em que uma srie de agresses desencadeada na estalagem. Uma das aplicaes do efeito, citadas pelo prprio Bergson, parece-nos perfeitamente adequada situao da busca pela panela e pela porca, respectivamente na Aulularia e em O Santo e a Porca, a saber:

consiste em fazer com que certo objeto material (...) seja de importncia capital para certos personagens e que seja necessrio encontr-la a qualquer preo. Esse objeto, que escapa sempre quando se acredita t-lo em mo, rola atravs da pea reunindo de passagem incidentes cada vez mais graves, cada vez mais inesperados. (...) sempre o efeito da bola de neve.[50]

A ampliao do conceito de repetio de movimentos corporais para a repetio de situaes especficas vividas pelas personagens permite mais um desmembramento da comicidade de situao. A vida humana, em todos os seus aspectos, parece ser, para Bergson, dotada de um fluxo instvel e incessante de modificaes e renovaes que, tanto nos gestos e nas atitudes de uma determinada pessoa, quanto nas prprias circunstncias e situaes por ela vividas, no se admite uma repetio digna de imitao que no seja elemento motivador de comicidade. Da mesma forma que um autor hipottico poderia obter o riso da platia quando uma personagem repete tanto um gesto a ponto de gerar imitaes zombeteiras de seus colegas, poderia faz-lo atravs de

uma combinao de circunstncias, que se repete exatamente em vrias ocasies, contrastando vivamente com o curso cambiante da vida. (...) So as repeties que se nos apresentam no teatro. Elas sero tanto mais cmicas quanto a cena repetida for mais complexa.[51]

nesta linha de raciocnio que Bergson inclui a obra Anfitrio, de Plauto, ao lado de outros autores como Molire, como representantes do uso da estratgia da repetio de fatos e situaes para efeito cmico[52].

c) Acerca da comicidade das palavras, distinguindo inicialmente o riso que "a linguagem exprime e o que ela cria"[53], Bergson explicita o que a categoriza, no primeiro caso, como uma mensagem cuja comicidade independe da lngua em questo, podendo ser livremente traduzida, e, no segundo caso, como um organismo cuja comicidade interior, inerente e estrutural, pois devido escolha de palavras e organizao da frase que se obtm o elemento cmico. Neste, a linguagem se torna engraada por si mesma, desviada e deformada por sua natureza e no utilizada, como naquele primeiro caso, como um veculo para demonstrar a comicidade de pessoas ou situaes. Justamente por este carter inerente da comicidade das palavras, acontece a impossibilidade de verter o jogo lexical para outra lngua, pois os manejos risveis de palavras so particulares e nicos para cada idioma.

Encontraremos diversos exemplos desta questo em Plauto, na Comdia da Panela, em que podemos facilmente reconhecer, atravs de uma comparao com o texto original, a perda ou a atenuao do riso na verso da obra em lngua portuguesa por simplificao, adaptao ou mesmo erro de traduo. Na edio da pea no vernculo que escolhemos[54], encontramos a fala de Euclio: "Ainda mo perguntas? Meu safado! No s um ladro, s um trplice ladro!". Na verso original, o texto latino[55], mesmo para os no conhecedores do idioma, demonstra um jogo de palavras que no foi traduzido para o portugus, posicionando antes da palavra fur, furis (ladro) o elemento "tri", ou seja, imprimindo uma alterao morfolgica que possivelmente causaria riso na platia romana pela naturalidade com que foi utilizado, pelo manejo prtico e sinttico da morfologia latina, fato inobservvel na traduo portuguesa de cunho analtico.

Quando Euclio intima Estrbilo a mostrar-lhe as duas mos para conferir se no esconde a panela furtada[56], um importante elemento lexical de comicidade foi suprimido na fala "Mostra c a outra.", dita logo aps o escravo ter-lhe estendido as mos. Vemos no original latino:

EVCL. Ostende huc manus.

STROB. Em tibi, ostendi, eccas.

EVCL. Video. age ostende etiam tertiam.

A traduo literal desta ltima fala de Euclio jamais ignoraria "tertiam (manum)", ou seja, a terceira mo que, por sua implausibilidade fisiolgica natural, teria gerado o riso. Inclumos este caso para exemplificar a maneira pela qual a linguagem serve proposio de comicidade no primeiro caso descrito por Bergson, como mero veculo que estrutura um riso motivado por uma causa alheia aos aspectos lingsticos em si. Rimos das trs mos de Estrbilo imaginadas na mente confusa e avarenta de Euclio, e no de um aspecto morfolgico, como no caso de "trifur", mas a inadequao da traduo nos chamou a ateno em ambos os casos, ilustrando, na mesma cena, as duas situaes divergentes de comicidade lexical descritas por Henri Bergson.

Quando se refere maldosamente esposa, o compadre, em uma cmica passagem que bem se enquadra no esquema de riso por estrutura de frase, diz que:

Yo na la puedo trocar,

yo no la puedo vender,

yo no la puedo amansar,

yo no la puedo dejar,

yo no la puedo esconder:[57]

d) A comicidade de carter o primeiro ponto de anlise, e talvez o mais importante, da teoria bergsoniana, uma vez que "o riso tem uma significao e um alcance sociais, que o cmico exprime antes de tudo certa inadaptao particular da pessoa sociedade, e que afinal s o homem cmico"[58]. Neste ponto de seu discurso, Bergson restringe todas as subdivises anteriores da comicidade a sutis expresses de humor, arduamente separadas da vasta amplitude da comicidade de carter.

Como nos demais casos, a rigidez que desperta o riso atravs do isolamento em que insere a personagem humorstica. Isto se d menos atravs da imoralidade que da insociabilidade, ou seja, uma personagem pode ter um carter absolutamente consoante moral de sua poca e, enrijecida esta caracterstica por meio de artifcios risveis, tornar-se- cmico. O carter cmico por natureza, uma vez que representa "o que h de j feito em nossa pessoa", ou seja, "capaz de funcionar automaticamente"[59]. Mais adiante, ensina-nos que "A comdia pinta caracteres com que deparamos antes (...) Ela assinala semelhanas. Tem por alvo expor tipos diante de ns."[60].

Desta forma, na tragdia, o heri representa uma individualidade particular, nica e passvel de reverncia e no de imitao, a no ser que se objetive enrijec-lo e, portanto, torn-lo risvel. O gnio do artista cmico tende a, por outro lado, criar generalidades e tipos que nos remetam a outras pessoas e caractersticas j vistas, atravs da observao exterior, que justamente o mecanismo bsico para obteno do cmico: "s somos risveis pelo aspecto de nossa pessoa que se furta nossa conscincia"[61].

Assim, uma caracterstica, tanto positiva quanto negativa, pode tornar-se cmica. Reconhecemos que o automatismo das atitudes de Euclio, justamente um dos tipos genricos representados na comdia por sua avareza, gera o riso medida que, em inmeros momentos, o seu receio infundado de perder a panela reiterado[62]. No dilogo com Megadoro, Euclio revela, parte, que "com certeza que este homem j sabe que eu tenho dinheiro; por isso que me sada com tanta delicadeza"[63]. Repetidas vezes, ento, volta para dentro de casa para conferir se j lhe foi roubado o ouro[64].

Muito nos parece evidenciar-se o papel do carter no riso de Plauto e de Suassuna, a mecanizao do comportamento de uma personagem que gera a comicidade. Esta rigidez varia entre a repetio de uma dada atitude, a constncia de um comportamento que foge norma do ambiente e a repetio de movimentos e aes.

Reconhecemos que as atitudes constantes de Euclio enquadram-se na condio arquetpica prevista pelo processo de comicidade de carter de Bergson. Para corrobor-lo, basta que nos lembremos das constantes exclamaes do avarento de Plauto "Por Plux!"[65] devido preocupao exagerada panela. O mesmo se d com Eurico "Ai a crise, ai a carestia!" , em iguais zelo, ansiedade e proteo direcionadas porca.

Para no nos alongarmos em demasiado, abandonaremos por ora a explanao exaustiva acerca dos processos bergsonianos de comicidade e a retomaremos, num momento mais oportuno, quando da confeco da dissertao.

Finda esta breve explanao acerca da teoria de Bergson sobre o riso, recorreremos, como complemento e extenso, obra do fillogo sovitico Vladimir Propp (1992) que, em diversos momentos, cita o ensaio do filsofo francs, discutindo alguns de seus principais raciocnios. Acerca da comicidade do fsico humano, conforme discorre no captulo sexto, Propp recorre afirmao de Bergson de que " cmica qualquer manifestao do aspecto fsico da personalidade, quando o problema diz respeito a seu aspecto espiritual", refutando-a com a hiptese de que "nem todas as manifestaes da natureza fsica da pessoa so engraadas, mesmo quando revelam certas facetas espirituais"[66]. Para tanto, vale-se do exemplo de que Honor de Balzac, embora obeso, por sua "fora espiritual" e "poder interior" evidentes, no suscita o riso, mesmo numa escultura de Rodin em que o escritor francs representado nu, com a barriga avantajada e as pernas finas, uma figura disforme, porm no risvel graas expresso da "fora espiritual e a beleza interior de um homem de corpo deformado"[67].

No captulo seguinte, "A comicidade da semelhana", Propp parece no refutar, mas reescrever a definio de Bergson acerca da questo da repetio como um dos procedimentos para a obteno do cmico na comdia clssica. Conforme suas prprias palavras, "Seria mais exato falar no de repetio, mas de duplicao"[68]

Demonstra uma postura mais taxativa no captulo "O homem-coisa", em que ressalta "a insuficincia da teoria de Bergson"[69], no que tange afirmao de que "Ns rimos toda vez que uma pessoa produz em ns a impresso que uma coisa produz". Desde o captulo quarto, percebe-se que o centro da teoria da comicidade de Vladimir Propp consiste na humanidade do riso, na transformao e na aproximao de elementos, seres e coisas do mundo com qualidades e caractersticas dos homens. isto que permite a ele corroborar com a decisiva afirmao "Isso, sem dvida, verdade" a explicao de Tchernichvski de que "Ns rimos dos animais", por exemplo, "porque eles nos lembram os homens e seus movimentos"[70]. atravs desta linha de raciocnio que Propp ressalta sem questionamentos a hiptese de Bergson de que a "natureza inorgnica e vegetal"[71] no elemento gerador de comicidade, assim como os objetos. Com este pensamento bsico de que nada cmico enquanto no se aproxima do humano, Propp refuta e reescreve a afirmao de Bergson, enfatizando que o riso s realmente suscitado pela representao do homem atravs de uma coisa quando esta "coisa intrinsecamente comparvel pessoa e expressa algum defeito seu".

Ainda no mesmo captulo, outra afirmao de Henri Bergson ("Poses, gestos e movimentos do corpo humano so ridculos na medida em que o referido corpo desperta em ns a representao de uma simples mquina") rebatida. Refazendo com a mesma linha bsica de raciocnio, o

homem-mecanismo no sempre ridculo, mas somente nas mesmas condies em que uma coisa ridcula. (...) A representao de um homem sob o aspecto de um mecanismo ridcula porque revela sua natureza ntima.[72]

Para embasar sua hiptese, Propp recorre imagem do funcionamento rtmico e constante de rgos do corpo humano, como o pulmo e o corao, que so perfeitos mecanismos que no inspiram o riso, s "terrveis" e nada cmicas convulses de um sujeito que sofre de epilepsia, entre outros exemplos.

1.3 Justificativa

Inicialmente, estudos cientficos envolvendo a obra de Plauto e sua repercusso nos tempos atuais tm sido largamente desenvolvidos no sentido de explicitar, desenvolver e mensurar a inegvel influncia plautina, tanto para reconhecer-lhe o mrito quanto para dignificar a originalidade que permeia o artista que nele se inspira[73]. O mesmo se poderia dizer acerca de Gil Vicente e das mais notveis manifestaes artsticas medievais e renascentistas[74]. Esta proposta de pesquisa sugere uma comparao da obra-imitao de Ariano Suassuna e duas obras de dois dos maiores vultos do Teatro ocidental Plauto, o modelo, e Gil Vicente -, em que no h um dilogo intertextual claro.

A identificao dos contrastes entre tais autores se nos apresenta como um caminho ainda no percorrido e, justamente por isto, instigante. O apoio primrio em que nos basearemos para trazer pesquisa concluses relevantes ser o papel da cultura na composio, especificamente sob a forma da explorao da temtica do casamento nas obras referidas, sob duas perspectivas: (i) como um elemento cultural particular a cada uma delas e, justamente por isto, indispensvel anlise do texto como manifestao geogrfico-temporal, ou seja, dentro de um dado contexto e (ii) como um elemento internamente relevante, seja para a configurao do humor, seja para o prprio desenlace da trama, imprescindvel para uma leitura individual. Procedendo ao cotejamento de ambas as vises, almejamos clarificar os mltiplos papis que este evento cultural assume nas manifestaes artsticas e de que maneira estes papis interagem, dialogam e se mesclam.

Muitos foram os trabalhos j desenvolvidos no sentido de comparar o Teatro da Antigidade Clssica s suas repercusses posteriores em diversos momentos histricos. Entre os mais recentes, consultamos e estudamos a dissertao de Mestrado de Nina Barbieri Pacheco[75]. Consoante nossa proposta, pretendemos, tambm, efetuar um estudo da estrutura dramtica por trs das obras de Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna, bem como utilizar como corpus recortes de dilogos da obra, mas aprofundaremos nossa pesquisa especialmente sob o aspecto da criao do elemento cmico, segundo os preceitos de Henri Bergson (1987), que nos ajudar a identificar as tcnicas plautinas para estimular o riso do povo espectador e as estratgias vicentinas no teatro da corte, bem como, a partir destas constataes, delimitar os pontos convergentes e divergentes neste quesito estrutural.

Atravs deste apoio terico, procuraremos inserir a Aulularia e sua recriao, O Santo e a Porca, bem como a Comdia do Vivo em algum(ns) dos processos de criao da comicidade propostos por Bergson, j devidamente explicitados.

Por fim, no que tange s caractersticas inerentes s obras de Plauto e Suassuna em comparao, inmeras correspondncias so encontradas e corroboram a necessidade de explorar e explicar tanto os encontros quanto os desencontros que o escritor brasileiro articulou em relao ao teatro do comedigrafo umbro. Brevemente, apontaremos algumas destas correspondncias internas, que atingem tanto as personagens quanto os aspectos estruturais da obra, em que se insere, por exemplo, a questo do espao.

Quanto s correspondncias espaciais, lembramos que a lareira, o templo da Fidelidade, o bosque de Silvano e a panela, de Plauto, so os correspondentes, n'O Santo e a Porca, da sala, do poro, do cemitrio e da porca de madeira, bem como o Templo de Bona Fides, que representa um local seguro e de reflexo onde ser primeiramente escondida a panela, possui um correspondente tanto na casa de Eurico quanto no templo de Santo Antnio, locais seguros em que os dois maiores bens do avarento nordestino so guardados: a porca e a filha. A festa de Ceres sugere a festa de So Joo, enquanto evocaes de celebrao religiosa, bem como o bosque de Silvano e o cemitrio, respectivamente plautino e suassuniano, ajudam a esconder o objeto de avareza dos protagonistas, uma vez que Silvano um poder que protege a floresta de Euclio e, no cemitrio, jaz a esposa de Eurico, ambos fontes de confiana para os avarentos. O mercado e o Hotel de Dada, por fim, representam pontos externos de referenciao, para os quais se encaminham os personagens sempre que o autor das obras as tiras de cena sem interferir no curso da narrao.

Outro ponto de correspondncia entre as obras o elemento religioso em oposio ao elemento profano. No que tange cultura romana, os Lares eram deuses domsticos protetores das famlias e de cada casa, cultuados no lararium. Possuam um templo, no Campo de Marte, onde eram realizados os sacrifcios e as oferendas. Uma curiosidade, se no conclusiva, minimamente sugestiva, o fato de que, quando se tratava de sacrifcio pblico, a vtima ofertada era o porco. Ao que parece, h a vitria do profano sobre o religioso, como percebemos atravs da fala de Eurico: "Mas parece que Santo Antonio me abandonou por causa da porca. Que santo mais ciumento, ou ele ou nada'! assim? Pois fico com a porca".

A evocao das entidades no se faz por prtica litrgica devota, em busca de proteo ou beno, mas para salvaguardar os prprios bens materiais, justificando o elemento avarento:

(...) deuses imortais! Est uma bonita confuso; isto de se meter um pobre a ter relaes ou negcios com os opulentos! Megadoro farta-se de me aborrecer. Fingiu que era em minha honra que me mandava os cozinheiros, mas claro est que s os mandou para roubar o que eu tenho. [76]

E, para Suassuna, temos:

Ento eu leio. Mas Santo Antnio, veja l! No v ser essa safadeza de me pedir dinheiro emprestado! [77]

O sentido das vidas de Euclio e de Eurico, a panela guardada na lareira e a porca guardada na sala ao p do santo (o elemento material), foi ameaado pela perspectiva de casamento das filhas. H, ento, o incio do processo de vivncia da perda.

Eurico: Ai minha porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu po de cada dia, a segurana de minha velhice, a tranqilidade de minhas noites, a depositria de meu amor! [78]

Euclio, por sua vez, esconde a panela no templo da Fidelidade, e Eurico, numa grande cova no poro de sua casa. Ambos os locais representam, simbolicamente, o segredo e o desconhecido.

Por fim, no nos pretendemos alongar, neste momento, explicitando em longos termos as correspondncias entre as personagens das duas obras, um retrato que, por mais valoroso e necessrio que seja no sentido de confirmar a imitatio, j bastante conhecido e perceptvel primeira leitura das peas.

2. Objetivos

2.1 Objetivos Gerais

Pretendemos, com a concluso da pesquisa proposta, contribuir para a expanso das pesquisas das obras teatrais enquanto manifestaes literrias, mormente as realizadas na Antigidade Clssica e no Renascimento de Portugal em perspectiva comparada, bem como seu dilogo com o teatro brasileiro contemporneo.

Almejamos, ainda, estudar obras teatrais cmicas sob a perspectiva de Henri Bergson e Vladimir Propp, analisando profundamente o desenvolvimento do elemento cmico em perspectiva comparada e estudando as especificidades da comicidade em momentos histricos diferentes.

Delimitar a relao entre cultura e manifestao artstica nas obras teatrais, bem como a funo e o papel do jogo nas comdias de diferentes tempos e lugares, comparativamente, constitui mais uma de nossas contribuies.

2.2 Objetivos Especficos

Efetuar, inicialmente, um profundo estudo da estrutura e da criao da comicidade em particular nas trs obras propostas, bem como a comparao e a identificao de pontos convergentes e divergentes na elaborao, constitui um dos principais objetivos de nossa pesquisa, de modo a contemplar, conforme diz Ariano Suassuna, parte dos "mltiplos aspectos e sentidos" que apresenta uma obra teatral.

Ser que a viso que o autor tem de sua obra no a mais deformada de todas? No sei, mas acredito que muito difcil, sem traio a ela, explicar ou ordenar os mltiplos aspectos e sentidos que tem ou pelo menos deve ter uma pea de teatro.[79]

Em segundo lugar, identificar a influncia e o papel da cultura e da sociedade na confeco das obras, a funo crtica a que se dispem e a afinidade (ou no) da atuao dos trs diferentes contextos (romano do sculo II a.C., portugus do sculo XVI e brasileiro do sculo XX) na composio uma das questes a serem desenvolvidas ao longo da pesquisa. O desmembramento desta vasta gama de possibilidades se dar (i) atravs do estudo individual e comparado entre a funo e a representao do casamento, da famlia, da vida privada e suas particularidades de acordo com o tempo e o espao da obra em questo, (ii) atravs da identificao dos tipos sociais representados pelas personagens e de suas mltiplas facetas, enquanto engrenagens elaboradas a partir do real, e (iii) atravs da identificao do papel do Jogo na composio e no enredo[80].

Por fim, a mescla desses dois objetivos nos levar a delimitar o papel da cultura e da sociedade na esttica do humor em Plauto, Gil Vicente e Suassuna, tanto em perspectiva individual quanto comparativa.

3. Pressupostos tericos e Metodologia

Num primeiro momento, focaremos nossa ateno no interior de cada pea teatral estudada, procurando explicar a escolha e o tratamento temtico conforme o contexto histrico-social. Para isto, faremos um levantamento de obras histricas tanto para considerar os elementos culturais, a vida cotidiana, o jogo, a prtica do casamento e as relaes familiares presentes nas peas quanto para proceder anlise das personagens que, neste contexto, atuam como representantes de mltiplos papis identificveis no real (pater e filia familias, mercador, escravo etc.). Objetivando analisar a presena e a funo do jogo nas trs peas, Johan Huizinga (2004) parece-nos de inestimvel relevncia. Na Comdia da Panela, novamente em perspectiva comparada, inicialmente analisaremos a presena do jogo, que, em Roma, conforme j explicitamos, era latente e inegvel para cada cidado acostumado s inmeras celebraes para inmeros motivos, alm de constituir o todo festivo em que se inseria, como um de seus elementos, o espetculo teatral. Com vistas a explicitar a diferena da funo do jogo na sociedade romana arcaica de Plauto, na lusitana ps-medieval de Gil Vicente e na brasileira contempornea de Ariano Suassuna, descreveremos as manifestaes ldicas em cada uma, bem como analisaremos as trs obras propostas em perspectiva comparada.

Para guiar-nos e auxiliar-nos a atingir nossa meta de pesquisa no que tange ao estudo da elaborao e da concepo da comicidade nas obras em questo, recorreremos ao clssico ensaio O Riso, de Henri Bergson (1987), e aos processos e definies nele explicados, para proceder anlise, num segundo momento, de cada uma das obras em particular, inserindo-as em mecanismos de comicidade, devidamente embasados por variados recortes de dilogos das peas. Para realizarmos uma anlise crtica do conceito de comicidade em suas diversas acepes, faremos uso de outras obras sobre o assunto, da qual destacamos Comicidade e Riso, de Vladimir Propp, por todas as relevantes consideraes j apresentadas.

No caso especfico de Plauto, ser necessrio realizar, atravs do exame dos textos originais, alguns apontamentos lingsticos individuais acerca dos usos do discurso e das construes lxico-sintticas especficas da lngua latina, mormente as intraduzveis, como um fator estilstico para a obteno do humor. Para tanto, faz-se necessria a utilizao de gramticas, dicionrios e obras de estilstica latina. O mesmo se dar com a obra de Gil Vicente que, devido utilizao do castelhano, pressupe o uso de material especfico sobre a lngua. Quanto a Ariano Suassuna, o<

Cultura e esttica do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prtica social do casamento e da comicidade
Cultura e estética do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prática social do casamento e da comicidade
/>Por: Jorge Henrique Nunes Pinto

Perfil do Autor

Graduado em Letras (Portugus-Latim) e graduando em Msica (Composio e Regncia). (Artigonal SC #3390763)

Fonte do Artigo - http://www.artigonal.com/ficcao-artigos/cultura-e-estetica-do-humor-em-plauto-gil-vicente-e-ariano-suassuna-um-estudo-da-pratica-social-do-casamento-e-da-comicidade-3390763.html
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Cultura e estética do humor em Plauto, Gil Vicente e Ariano Suassuna: um estudo da prática social do casamento e da comicidade Anaheim